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HERANÇA ESTIGMATIZADA - O preconceito ao portador de HIV e Aids

O HIV é um vírus que altera o sistema imunológico e causa imunodeficiência. Quando a pessoa soropositiva tem uma infecção ou doença e a imunidade do portador do vírus fica mais baixa, o vírus passa para um estágio mais avançado: a Sida (Síndrome de ImunoDeficiência Adquirida) mais conhecida como Aids.

"A partir do momento que a gente detecta uma imunodeficiência, [...] e vê que a imunidade está baixa, daí a gente caracteriza como Aids."

Médica infectologista Anamaria Paniago


TESTE E TRATAMENTO

De acordo com informações disponibilizadas na página do Departamento de Infecções Sexualmente Transmissíveis (IST), Aids e Hepatites Virais, atualmente, existem vários métodos de testagem do vírus HIV no Brasil, como, por exemplo, o teste “Elisa”, que detecta anticorpos contra o HIV por meio de exame de sangue laboratorial. Caso o resultado dê positivo, é necessária a realização de um teste confirmatório, porque o resultado pode ser “falso positivo” em casos de doenças autoimunes, alguns tipos de câncer e artrite reumatoide. Também existe o “Western Blot”, um teste confirmatório que procura por fragmentos do vírus HIV no sangue. Além disso, o teste da imunofluorescência indireta para o HIV-1, que pode encontrar os anticorpos anti-HIV presentes no sangue, e os testes rápidos, feitos com amostras de sangue ou fluido oral. O exame de sangue busca anticorpos anti-HIV e o fluido oral detecta anticorpos para o HIV-1 e HIV-2, ambos resultados saem em até 30 minutos.


A testagem via fluido oral é utilizada por Organizações Não Governamentais e estandes de teste rápido nas ruas e em eventos, porque não necessita de infraestrutura especializada. O procedimento consiste em coletar a saliva com um cotonete especial e adicionar um reagente ao material coletado. A saliva e o reagente são depositados em um recipiente próprio, com uma fita que indicará se o resultado é positivo ou negativo, como acontece em testes de gravidez vendidos em farmácias.


Os Centros de Testagem e Aconselhamento (CTA) e as unidades públicas de saúde oferecem apoio psicológico durante a espera pelo resultado. Caso seja positivo, a pessoa recebe indicações sobre o tratamento e cuidados necessários, e é encaminhada para o acompanhamento médico. A enfermeira-chefe do Hospital Professora Esterina Corsini, Adriana Negri explica que os pacientes encaminhados passam por uma consulta de acolhimento, para responder possíveis dúvidas e coletar exames específicos para iniciar o uso dos medicamentos.


"Faz o primeiro acolhimento, coleta todos os exames a mais, necessários para fazer uma triagem mais minuciosa, e posteriormente a esse resultado, ele já inicia o antirretroviral, que é a medicação específica para o HIV e Aids, e o acompanhamento ambulatorial."

Enfermeira-chefe Adriana Negri


O paciente precisa tomar pelo menos três tipos de antivirais ou antirretrovirais diferentes para impedir a multiplicação do vírus no sistema imunológico. De acordo com a médica infectologista Anamaria Paniago, é preciso passar mais do que um antiviral para o paciente, porque o vírus pode resistir ao medicamento. “Usar três antivirais garante que esse vírus pare de se multiplicar no sangue do paciente. Daí nós vamos acompanhando um exame que chama carga viral e CD-4”. Ela afirma que, atualmente, o antirretroviral é o medicamento mais importante para o tratamento da HIV e é mais conhecido como “3 em 1”, pois são três drogas em um único comprido.


"Então esse paciente melhora muito, só que ele não pode nunca parar o medicamento, porque se ele parar, o vírus volta a se replicar."

Médica infectologista Anamaria Paniago


Após um mês de tratamento, a carga viral do paciente, que fica entre 10 mil a 100 mil por milímetro cúbico, deve diminuir para níveis indetectáveis, menos de 40 vírus por milímetro cúbico no sangue.


Segundo Anamaria Paniago, o programa do controle ISTs e Aids no Brasil é referência mundial, porque fornece gratuitamente os medicamentos. Em Campo Grande, esses remédios podem ser encontrados nas farmácias do Hospital Professora Esterina Corsini e Hospital Dia do bairro Nova Bahia, e no CTA. Além disso, o Sistema Único de Saúde (SUS) também disponibiliza medicamentos para evitar ou tratar infecções.


As pessoas diagnosticadas com o vírus HIV recebem acompanhamento médico ambulatorial, psicológico e nutricional pelo SUS. É altamente recomendado que o medicamento seja ingerido diariamente, além da prática de atividades físicas regularmente e hábitos alimentares saudáveis, para evitar agravos na saúde, como diabetes e colesterol alto.


HIV-1 e HIV-2

CD-4

PRECONCEITO


"Se não se tornou trivial dizer que é soropositivo, é porque nesse contexto de medicalização, nós não conseguimos curar, nem mesmo medicalizar o preconceito ou estigma"

Professor de Ciência Sociais UFMS Tiago Duque


Para Nicolas Borges, descobrir ser soropositivo foi uma experiência traumática, porque ele tinha preconceitos em relação ao tema. Após tratamento psicológico, Borges não vê problema em divulgar que é portador do vírus HIV para as pessoas com quem se relaciona, e explica que não se importa com o julgamento das pessoas, por ser um assunto que diz respeito apenas a ele. "Quem paga minhas contas sou eu, ninguém tem que falar nada da minha vida. Eu não permito, porque se a minha família, tanto por parte de mãe quanto por parte de pai, que são religiosos, já me respeita, eu não vejo porquê um desconhecido vai falar alguma coisa para mim. Eu não vejo problema em contar, mas tem muita gente que não conta para combater o preconceito".


Lucas* afirma que descobriu ser HIV positivo ao receber uma ligação do laboratório onde realizou exames de rotina. Ele ressalta que, durante a ligação, eles pediram para que ele refizesse o teste de HIV. Com o resultado em mãos, ele avisou a mãe, visitou o CTA e procurou uma médica infectologista. Ele foi encaminhado para realizar exames mais específicos no Hospital Professora Esterina Corsini. “Eram muitos exames e meu exame de CD-4 mostrou que minha carga viral estava ‘ok’, porque era recente. Em um mês de medicação meus níveis já estavam indetectáveis”.

*Nome fictício


Lucas relata que não sofreu discriminação por parte dos familiares e amigos, mas que o fato de alguns deles se sentirem mal, mostra que ainda há desinformação sobre o tema. “Algumas pessoas sentiram dó, o que é uma forma de preconceito também. Ficaram ‘e agora, o que você vai fazer?’, mas é só tomar o medicamento e seguir com a vida”. Ele ressalta que passou por um momento de constrangimento no laboratório em que refez o teste de HIV. “A moça falou que eu precisava refazer o exame de HIV muito alto, para todos ouvirem. Eu me senti constrangido e reclamei na ouvidoria. Eu tenho preparo psicológico e era esclarecido sobre isso, mas uma pessoa sem esse preparo pode nem voltar mais lá”.


A advogada de Direitos Civis e Humanos Iracema Vasconcelos afirma que as pessoas soropositivas possuem direitos garantidos por lei. Entre eles, os principais são o acesso ao tratamento antirretroviral, o sigilo quanto à sorologia, e todos os outros direitos garantidos para os cidadãos brasileiros.


Iracema Vasconcelos afirma que negar emprego ou trabalho, exonerar ou demitir de seu cargo, segregar no ambiente de trabalho ou escola, pública ou privada, divulgar a sorologia do paciente e recusar ou retardar atendimento de saúde, são crimes com multa e pena prevista de um a quatro anos. “Desde o ano de 1996 há no Brasil uma política de amparo, tratamento e auxílio às pessoas soropositivas para o HIV e doentes de Aids, e a Lei 12.984 de 02 de junho 2014 trata da criminalização da prática de discriminação contra estas pessoas”.


De acordo com o professor de Ciências Sociais da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), Tiago Duque a questão do preconceito é histórica e os discursos em torno da prevenção e do tratamento mudaram ao longo do tempo. No início da epidemia, o slogan da campanha preventiva era para alertar o perigo da Aids, vinculado ao estigma de que haviam grupos de risco que seriam infectados. Segundo Duque, os primeiros casos notificados e divulgados pela mídia foram de celebridades assumidamente homossexuais. “O estigma do início da epidemia ou pelo menos da divulgação da existência da epidemia, era a 'peste gay', porque os primeiros casos foram em homens que faziam sexo com homens”.


"O que é interessante a gente entender é que diferentemente do que foi anunciado no primeiro momento, hoje todo mundo sabe que as pessoas são vulneráveis, independentemente da sua experiência sexual, da sua sexualidade, ou da sua experiência em termos de gênero."

Professor de Ciência Sociais UFMS Tiago Duque


PERSONALIDADES PORTADORAS DO VÍRUS HIV E DA AIDS

Duque explica que num segundo momento, o discurso sobre a doença mudou para a imposição de um método preservativo, o uso da camisinha. Nos dias de hoje, incluiu-se o ponto de vista do tratamento, que se seguido corretamente, a vida pode ser prolongada. O professor afirma que a abordagem escolhida pelas campanhas de saúde influenciam no pensamento da sociedade sobre o vírus. “O medo pode ser agenciado para as pessoas criarem discurso saudosista que, de alguma forma, acaba apontando para uma irresponsabilidade da juventude, para o não cuidado da juventude e aí entra outros estigmas em torno do ‘ser jovem’, como o ‘ser jovem’ fosse irresponsável e imaturo, quando na verdade não é nada disso”.


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